quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Grão de mostarda

     E de repente parei o meu carro. Mas a poeira da estrada de barro rapidamente me alcançou e seguiu o seu caminho. Mas eu tinha que parar e ver aquela imensa plantação que beirava a estrada estreita que levava a algum lugar que eu não sabia bem onde.
     Decidi pegar estradas assim depois que descobri que tenho um tumor na cabeça. Tenho três meses de vida. Na verdade agora tenho apenas um mês. Queria jogar tudo para o alto e ir viver a vida que nunca vivi, mas talvez o tumor tenha me feito pensar. O meu tumor... vou falar com sinceridade. O meu cancêr cerebral foi criado pelo meu racional que nunca me deixou sentir.
      Meu deus!
     Olha eu aqui na beirada de uma estrada estreita, com meu tênis coberto de poeira tirando a minha culpa e jogando para algo que... o que me basta é suspirar. Meu cancêr, criado por mim. Dentro de mim. Dentro da minha cabeça. Corroendo o que eu tinha de melhor, meu intelecto e o meu modo de explicar a vida. Se eu fosse um idiota sentimental, talvez... não! O coração não tem cancêr.
     Meu deus! Só me restam quatro semanas e eu aqui com minha lamentações. Nessa estrada estreita com essa imensa plantação de mostarda me fazendo convites para ver o mundo com outros olhos e eu aqui olhando mais uma vez com os olhos da razão.
     Nunca havia visto uma plantação tão linda assim. Um imenso mar amarelo que mexe com o toque leve do vento. Que não se cansa de mostrar sua beleza. Uma plantação de mostarda. Fico com vontade de rir. Pensando que minha imagem da mostarda até então era um tubo transparente repleto de uma pasta amarelada sobre a mesa de uma lanchonete.
     Eu e minha vida moderna.
     Agora, lá ao longe um homem de camisa xadrez me chama. E percebo que o tempo corre rápido. Quando comecei a escrever estava no passado e de repente me vejo no tempo presente, sendo chamado por um senhor desconhecido. Cabelos cinzas e sorriso de quem sabe viver ou sabe fingir muito bem.
     - Tarde, moço! Posso ajudar? - Disse ele com sua voz carregada de sotaque do interior.
     - Boa tarde! Me desculpa, mas só estava vendo como é linda sua plantação de mostarda. Gostaria de carregar ela para sempre. Embora meu "sempre" é tão breve!
     - Quanta amargura. Devia sorrir mais do que ficar apenas se sufocando. Pegue aqui essas sementinhas de mostarda e plante na sua casa. Se cuidar bem vão ser plantas tão belas quanto essas. Mas agora o senhor poderia ir andando que assusta a vizinhança. Sabe o que eles falam dos homens da cidade, não sabe?
     - Tudo bem! Agradeço as sementes.
     Dei meia volta. Entrei no carro e comecei a acelerar lentamente. E eu pensando que aquele senhor iria me dar uma lição de moral. Uma lição de vida. Falar da passagem bíblica que diz que quem tem a fé do tamanho de um grão de mostarda pode remover uma montanha. Então eu iria pensar.
     Pensaria algumas semanas e descobriria que não tinha fé na vida, na cura e nas possibilidades de crescer. Minha fé não chegava nem a um terço do grão de mostarda. Descobriria que minha montanha é o meu cancêr cerebral. E então como um toque de mágica passaria a ter fé. E um dia antes de morrer iria fazer meu último exame e veria que o tumor não existia mais. Que eu estava curado.
     Mas eu sou apenas um ser humano que espera que os outros me falem de lições de vida. Que espera encontrar um senhor de meia idade que me diga palavras de sabedoria. Mas o meu senhor apenas me deu grãos de mostarda que eu joguei no chão do carro e nunca floreceriam. E no final de quatro semanas eu vou morrer na paz de quem não teve fé suficiente e não enxergou os sinais que a vida dá.
      Eu não movi a montanha. Deixei que ela desabasse sobre mim...

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