Escutou o barulho dos pássaros cantando. Sorriu.
Deixou os ouvidos se acostumarem e se arrependeu. O intenso fluxo de carros invadiu os ouvidos e o mundo ficou de cabeça para baixo. Sentiu o estômago embrulhar, como se houvesse levado repentinamente um soco de algum lutador de boxe peso pesado. O sorriso foi embora.
Levantou-se do banco e sentou no mesmo. Olhou no relógio e não se surpreendeu. Faltavam dois minutos para o ônibus chegar. Esticou o tronco para frente. Lá vinha ele. Ajeitou o cabelo, arrumou a roupa que estava um tanto amassada. Tirou uma goma de mascar do bolso, mas resolveu devolvê-la.
O ônibus chegou.
O ônibus se foi.
Ele ficou ali estático. Sem saber bem o que fazer. Deveria ter entrado, mas suas pernas e seu corpo não obedeceram. Jogou a pasta de documentos importantes em um lado. Tirou a gravata. Tirou o paletó marrom. Tirou o sapato e as meias.
O chão de concreto era gelado. O cheiro da cidade era podre. Mesmo assim abriu os pulmões para ele. Correu como nunca, de braços abertos para o nada. Ou para a liberdade.
Lembrou-se de quando era criança. De quando era um adolescente. De quando corria sem qualquer medo atrás da vida, e agora ele estava correndo dela. Do modo como ela havia o sufocado. Estava sorrindo enquanto todos aqueles, os que iam acordando aos poucos e invadindo as ruas da cidade, olhavam incrédulos.
Ficou nesse estado até o anoitecer, quando resolveu voltar ao ponto de ônibus. Ao seu ponto de ônibus. Onde dormiu.
Escutou o barulho dos pneus dos carros cantando em contato com o asfalto. Sorriu.
Tinha que ter uma desculpa.
O ônibus chegou.
O ônibus se foi.
E a vida voltou a ser do mesmo jeito.
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