quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Segundo sonho

Acordei suado. O coração acelerado. Liguei a luz do quarto e eles não estavam mais ali. Respirei fundo antes de tomar dois comprimidos de calmante acompanhados por um gole de cachaça. Liguei o ventilador de teto e voltei a dormir.
Cai em um mundo estranho. Tudo era muito cinza e cheio de fumaça. Havia morros. Sim, havia, mas todos com árvores de um verde opaco, com a vida apagada. O sol não conseguia passar pelas nuvens densas de uma chuva que insistia em não cair. Os cachorros latiam para o nada, os gatos miavam para o nada. E as pessoas?
As pessoas rumavam para o nada. Para o vazio chamado cotidiano rotineiro. Uma estrada sem curvas perigosas, sem atrativos. Uma estrada em linha reta. Uma estrada em que eu me encontrava. Comecei a caminhar sobre as lajotas empoeiradas, que descobri um tempo depois que era uma estrada de lajotas amarelas, mas nada que me causasse espanto.
Vaguei sozinho. Não necessariamente sozinho, mas era o sentimento. Existiam pessoas caminhando na mesma direção que eu e outras na direção contrária e de modo harmonioso ninguém se tocava. Alias, ninguém se olhava nos olhos, apenas do pescoço para baixo, como se procurassem a etiqueta de onde aquele sujeito havia sido fabricado.
Existiam os meus amigos também, que caminhavam ao meu lado, mas sem qualquer indicativo de companheirismo. Apenas caminhavam mudos, sem qualquer expressão. Caminhavam também para o mar? Não falavam, pois queriam continuar nessa constante solidão. Quem criou ela primeiro?
E tudo era um sonho, como eu sempre sei que estou sonhando. Me deixei levar por ele e então encontrei a Esfinge.
- Decifra-me ou te devoro!
- Quero apenas caminhar em direção ao mar...
- Pois bem, então decifra-me e terás sequência no seu caminho. Preparado?
- Existe a possibilidade de não estar preparado e querer voltar? - Ela fez sinal de negativo com a cabeça - Então estou preparado.
- Eis a minha pergunta: O que é que acorda desesperado "sem tempo" pela manhã, caminha imerso  no "sem tempo" até o fim da tarde, leva o "sem tempo" a noite e dorme apenas com remédios que o prendem nesse "sem tempo"?
- Essa é muito fácil. É a humanidade.
A Esfinge sorriu.
- Não. Esse é você, tão sem humanidade. Prepare-se para ser devorado, homem!
E então ela deu um salto sobre o meu corpo trêmulo com todos os outros viajantes parados esperando por sua vez de enfrentá-la. E então...
Acordei suado. O coração acelerado. Liguei a luz do quarto e eles não estavam mais ali. Respirei fundo antes de tomar dois comprimidos de calmante acompanhados por um gole de cachaça. Desliguei o ventilador de teto e voltei a dormir.

sábado, 7 de novembro de 2009

A primeira overdose

Peguei o pensamento que tinha dela. Transformei em pó. O mais fino pó. Ao pó voltaremos já dizia o padre da paróquia. Então peguei tudo que lembrava ela e fiz pó também. Estava cansado, não sei se você me entende?
Fiz dez fileiras. Dez tiros. Sem pêlos no nariz era o grito de guerra da minh'alma. Mas estava com medo. Abri um garrafa de uísque. Doze anos. Guardado para ocasiões especiais. Tomei até metade da garrafa, assim sem gelo. E me atirei no pó.
Cheirei tudo aquilo sem medo. Só senti minha cabeça sendo sugada para dentro dela mesmo. Meu coração acelerou rápido e depois foi só escuridão. E quando acordei estava aqui no céu. Anjos em volta de mim, cuidando do meu corpo nu. Quem me despiu? Estava vestido de calça jeans, camiseta rosa e descalço. Cheguei aqui desse jeito? Pode me responder? Não gosto de homens com cara de muro.
Desculpe-me. É a euforia de estar amarrado em uma cama como se eu fosse um louco. Minha irmã me contou tudo o que aconteceu. Pode ser mentira dela, mas ela não mentiria para mim. Talvez ela mentiu para vocês. Mas eu juro que não foi cocaína. Foi o pó que fiz das memórias dela.
Foi minha primeira overdose. Minha boca está seca e com gosto de meia suja. Quero um cigarro. Esse hospital é um saco. É um inferno, não sei porque insisto em chamá-lo de céu. Certo. Salvaram a minha vida. O amor mesmo é uma droga. Forte. Suja. Pesada. Mas cheirei tudo dela e agora vocês limparam minhas veias. Quem é ela? Não lembro nem mais o nome.
Sabe, doutor?! Quero amar de novo e sei que vou morrer por isso. Terei muitas overdoses dele. É um vício que eu tenho. O amor é mesmo uma droga.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Primeira Semana

Começou na quinta-feira.
Cheguei em casa e tomei um banho de água gelada. Pelo ralo foram as horas de trabalho e o meu suor do calor do meu espírito solitário. Era tarde da noite e como um bom solitário estava sozinho mesmo havendo pessoas vagando em passos lentos pela casa.
Deitado. Nu. Ventilador ligado. Meia luz. Incenso de canela. Os pensamentos giravam sobre mim, carregados pelas hélices de um ventilador velho de teto. O cobertor acariciava o meu corpo. A meia luz me dava sono enquanto o incenso de canela me dava nojo.
O celular tocou. Era ela. Minha amiga. As bebidas que haviam sido abandonadas me chamavam. Coloquei minha melhor roupa. Não fiquei feliz. Coloquei a pior. Não me agradei. Coloquei qualquer coisa. Estava pronto. E segue os fatos:
1. O carro sujo;
2. O caminho sujo;
3. O bar sujo;
4. A noite suja;
5. Companhia suja;
6. Sentimento sujo;
7. A volta suja.
Calado, durmo. Calado acordo. É sexta-feira.
E acordo tarde. Sem qualquer perspectiva de fazer algo que vale a pena. Olhos nas folhas da agenda. Existia um encontro com uma garota. Já havia sentido os lábios dela, mas não tinha vontade de beijar novamente. Não naquela sexta-feira. Imerso em nada as horas passam rapidamente. Coloco uma roupa qualquer, uma mistura entre a melhor roupa e a pior. Vou ao encontro dela. Ela vem em minha direção.
Olhando o caminhar dela me lembrei de Machado de Assis. Dissimulada. Linda. Mas não queria beijá-la. Deixei claro para mim mesmo.
Existia uma praia. Umas cervejas. Uma corrida na areia molhada. Cachorros vira-latas. Deixei ela guiar o carro. Olhei aqueles olhos. Existia uma paixão escondida aqui dentro. Existia?
Deixei ela frente a uma lanchonete. Voltei para casa. Durmi sorridente. Sem beijos. Mas com um amor para lembrar que agora no relógio já era sábado.
Deixei o sábado morrer. E como morto nada fiz. Sai de casa meia-noite passada. Domingo.
Domingo de madrugada. Até as cinco horas da manhã. Bebidas, risadas. Meus amigos com seus amigos. Minha amiga. Única. Vou sentir saudades. São Paulo é muito longe para sair do nada e encontrá-la para umas cervejas e palavras de conforto. São Paulo é muito perto para se sentir saudades. Ainda tenho apegos.
O domingo dorme para Segunda-feira acordar.
Segunda-feira. Se foi. Muda.
Terça-feira. Só ficou o tosse seca.
Quarta-feira. Jogo de futebol na televisão. Durmo no sofá. Nada demais.
Quinta-feira. É hoje. O último dia da minha semana. Faço agora um resumo semanal. Acordei sozinho na quinta-feira e de lá até hoje, quinta-feira, estou sozinho.
Sozinho não é bem a palavra. Mas na falta do que escrever é a que mais me define. Quem escreve ao lado de alguém se perde na angustia de não se transparecer. Então, me transpareço e que venha a segunda semana, mas não venha rápido. A rapidez de uma semana equivale a insegurança dos meus dias de poeta. Vago.