quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A classe que faz média usa crack

     Andando na rua, por entre a sujeira do fim de ano e os jornais deste novo ano que se inicia, eu vejo mais do que apenas lixo material. Vejo um lixo sentimental. Pessoas escondidas por trás de uma moral vencida, de uma ética distorcida. E apenas vou andando.
     Se eu fumasse acenderia um cigarro. Se eu bebesse levaria o meu cantil com uísque. Mas eu apenas ando e me levo. Ando e olho a cidade. Ando, olho e penso sobre a cidade. Ando, olho, penso e reflito sobre todos aqueles que vivem nesta cidade. Se eu respirasse sentiria o cheiro da falsa normalidade que é posta a mesa da classe média.
     Passo por um pedinte. Ele me pede algumas moedas. Está mal vestido. Está fedendo. Uma mistura da degradação da sociedade com a sua própria responsabilidade de ter feito escolhas que sairam erradas, ou que não foram as mais acertadas. Eu não tenho moedas. Nunca tenho. Para pedintes, nunca existem moedas no meu bolso. Deixo ele ali, com a mão esticada para o próximo da classe média que ao passar talvez se compadeça e jogue alguns centavos.
     Eu apenas sigo o meu caminho. Andando na rua. Pensando na classe média.
     Então passo por um adolescente. Bem vestido. Não sei se fede, mas não parecia. Uma mistura de uma sociedade que educa com a sua própria responsabilidade de um dia começar a fazer suas escolhas. Essa classe média é divertida, sempre faz escolhas acertadas. As erradas? Culpa dos outros. Nunca dela. O garoto me pede moedas, para fazer um lanche. Não é do bairro e está com fome. Pobre garoto.
     Abro a carteira e dou uma nota de cinco. Ele sorri. Agradece e caminha na direção contrária. Na direção contrária ele segue. Andando em direção ao pedinte. Na direção que a classe média não quer que ele siga. O adolescente vai seguindo na direção em que vai se encontrar com o pedinte.
     Eu apenas olho. Estático. Eles se encontram. Saem em direção a qualquer lugar. Voltam depois de alguns minutos breves. Eu, estático. Estão com uma lata. Vão fumar uma pedra de crack. O garoto, com a latinha na mão, se chama classe média. Eu, estático, reflito.
     Reflito que até então só os pobres e miseráveis usam crack. E então não era problema da classe média. Mas essa classe que faz média, agora também usa crack. E agora pelos jornais deste novo ano novo eu vejo campanhas que combatem o crack. Certo? Errado? Tanto faz. Agora é problema da classe média.
     De quem é a culpa?
     A classe média diz que a culpa é do pedinte.
     Então tá!

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