quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A trilogia de um Carnaval - Ato 3 - Columbina

     Estava radiante. Era apaixonada pelo carnaval e pelas marchinhas de antigamente. Assoviava sempre as mesmas melodias enquanto andava com seu rebolado. A fantasia estava na bolsa. No corpo a roupa de trabalho e a vontade de ver os blocos passarem na avenida e os corpos bailarem no salão.
     Deu mais uma conferida na fantasia. Uma saia branca abaloada. Um corpete preto, com fitas brancas trançadas nas costas. Luvas pretas. Meia arrastão preta e nos pés um tênis branco all star. Para completar uma longa piteira com losangos pretos, brancos e vermelhos. Estavam tudo ali, dentro da bolsa preta de couro.
     Foi caminhando até a pizzaria onde trabalhava. Era bem próxima de onde morava, o que facilitava e muito as coisas. Pegou o celular do bolso e mandou uma mensagem para Pierrot, ele seria uma boa companhia para o seu carnaval. Os olhos castanhos foram acompanhando os dedos enviando a mensagem. Como sempre, ele respondeu em seguida. Meia noite ele passaria para buscá-la.
     Era bom contar com a presença dele. Quando Pierrot estava por perto ela sentia um profundo clima de amor sincero e infantil. Era sublime pensar nele. Comeria uma pizza de sensação preta com morangos vermelhos para celebrar o pensamento. Esperava que o pizzaiolo atendesse o seu pedido.
     E a noite foi passando, oscilando entre o muito rápido e o muito lento. Mas passava ao seu ritmo. Algumas vezes olhava pela janela buscando encontrar a lua. Seria lua nova ou as nuvens escondiam a sua luz? Deu um sorriso com esse pensamento. Quantos mais pensavam nessas possibilidades da lua?
E então o telefone tocou mais uma vez. Mais um cliente. Pizza gigante. Acompanha refrigerante. Mais um telefonema. Outro mais. Então ele ligou.
      - Pizzaria da Cidade... boa noite!
     - Boa noite! Eu desejo uma pizza inteira de amor, com bordas recheadas de paixão. Para acompanhar quero Colombina. - Ela de uma risada abafada procurando não chamar a atenção dos clientes e da sua chefe.
      - Arle... quantas vezes já falei para não ligar para cá? E hoje vou sair com Pi...
      - Mas você sabe que o valor de Pi não é exato. Exato é o que sinto por você. Que tal um baile à dois em um motel da cidade, realizando nossas fantasias?
      - Eu tenho o teu número. Quando eu sair daqui eu te ligo.
      - Certo. Fico esperando!
      Arlequim é o tipo de homem que encantava ainda mais Colombina. Ele era divertido, tenha um olhar que lançava um aroma de sedução. As mãos dele sabiam acariciar o corpo. Quando ela estava com ele sentia um amor provocante, erótico e picante. Sentiu vontade de estar com ele em um motel.
      Perdida em pensamentos, olhou no relógio. Meia noite e cinco. Olhou o telefone celular. Uma chamada não atendida. Havia esquecido de Pierrot e se bem conhecia ele, devia estar fazendo um dramalhão. Provavelmente estava se sentindo abandonado. Resolveu ligar.
      - Desculpa! Vou me atrasar. - Fez uma voz suave e doce. Era o modo de pedir desculpas.
      - Quanto tempo?
      - Vinte minutos. Te dou um toque quando estiver pronta. Beijos... - Desligou sem dar tempo para ele reclamar. Pediu para a menina assumir o lugar dela, depois ela acertava com a chefe. - Manollo, faz uma pizza sedução pra mim? Estou atrasada.
       Ele deu um sinal de "ok".
      Colombina pegou a bolsa e correu para o banheiro. Estava toda atrapalhada. Maldito corpete que não fechava. Maldito cabelo que não ficava preso. Esqueceu o penteado e fez uma franja e um rabo de cavalo. Onde estava o celular? Onde estava o relógio? Os encontrou. Tinha apenas mais dez minutos. Colocou a meia arrastão e o tênis. Estava pronta. Morrendo da fome. Saiu do banheiro. Estava linda.
      - Manollo, minha pizza?
      - Esqueci... mas faço já!
      Ela ficou sentada apreensiva. As pernas tremiam ansiosas. Jogou sem querer o celular dentro da bolsa. Ficou acompanhando as horas se passarem rápidas no relógio.
      Vinte e cinco minutos. As pernas tremiam ainda mais ansiosas. E a pizza ficou pronta.
      Trinta minutos. Comia rápido, enquanto bebia ainda mais rápido um refrigerante.
      Trinta e cinco minutos. Correu para o banheiro. Escovou os dentes e passou um batom vermelhos nos lábios úmidos.
      Quarenta minutos. Estava caminhando em direção a calçada. Onde estava o celular para avisar, Pierrot?
      Quarenta e três minutos. Ele havia ligado. Deve ter chamado e ela sequer ouviu. Tentou ligar para ele, mas o telefone estava desligado. Ficou sem saber o que fazer. Pensou em Arlequim, mas havia ficado tensa e perdido a vontade de estar com ele. Olhou mais uma vez no relógio.
      - Quer saber? - perguntou ela para si - O mundo está repleto de Arlequim e Pierrot. Eles que encontrem sua própria Colombina. Eu cansei.
      E no outro dia, ela chegou cambaleando em casa, com a piteira na mão. O cigarro apagado. Entrou pelas portas do fundo, deixando o vento levar um pedaço de tecido em forma de coração que estava pregado com um canivete na porta da frente.
       Afinal de contas, quem se tornou Arlequim? Quem de derrubou as lágrimas?
       Colombina se tornou seu eterno carnaval, derrubando sonhos e corações dos homens que a aquela noite ela não beijou.
        Esse sempre foi o amor de Colombina.
        Carnaval!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A trilogia de um Carnaval: Ato 2 - Arlequim

     Do pulmão saiu uma fumaça cinza e logo em seguida uma tosse seca. Arlequim repousou o cigarro com aroma de canela no cinzeiro, que na verdade era uma lata de cerveja vazia. A mão esquerda segurava mais um retalho vermelho, que em breve a mão direita, com sua agulha e linha dourada, terminaria de fazer uma calça de losangos. Afinal de contas era carnaval.
     Lembrou-se dos carnavais anteriores. Dos dias em que participou de blocos de sujo com amigos que agora estão morando do outro lado do oceano. Lembrou-se do último ano. Dos olhos castanhos e da pele morena. Da cintura fina, das ancas largas. Dos seios firmes e da boca vermelha. Lembrou-se de Colombina, a garota que trabalhava de atendente em uma pizzaria da cidade.
     E sua calça estava pronta. Branca, vermelha e preta com as costuras aparentes em dourado. Por cima uma camiseta branca de mangas longas. Colocou uma máscara que deixava aparente apenas a boca. Seus lábios carnudos com dentes brancos e perfeitamente alinhados. O sorriso sarcástico estava ali. Pegou o telefone e discou.
     - Pizzaria da Cidade... boa noite!
     - Boa noite! Eu desejo uma pizza inteira de amor, com bordas recheadas de paixão. Para acompanhar quero Colombina. - Uma risada abafada surgiu no outro lado da linha.
     - Arle... quantas vezes já falei para não ligar para cá? E hoje vou sair com Pi...
     - Mas você sabe que o valor de Pi não é exato. Exato é o que sinto por você. Que tal um baile à dois em um motel da cidade, realizando nossas fantasias?
     - Eu tenho o teu número. Quando eu sair daqui eu te ligo.
     - Certo. Fico esperando!
     Mas Arlequim não era de esperar. Desceu as escadarias do pequeno prédio de aluguéis e foi andando pelas ruas da cidade. Ia fumando e cantando as pequenas marchinhas de carnaval. Foi costurando as ruas. Mexia com alguns foliões. As nuvens no céu não deixava a lua aparecer. Ou seria lua nova?
     Arlequim caminhava nas horas e se sem perceber se perdeu nelas. Quando chegou a pizzaria, as portas estavam fechadas. Mas como bom vivente que era, sabia que a uma quadra dali morava Colombina. E ele estava preparado.
     Quando chegou na porta da casa dela, tirou um canivete da calça e junto um coração de tecido. E na porta da casa de Colombina o jovem de calças de losango deixou o seu coração. Quando amanhecesse Colombina iria se tornar Arlequim.
      Mas quando é que o dia amanhece?

domingo, 14 de fevereiro de 2010

A Trilogia de um carnaval: Ato 1 - Pierrot

     Estava sorridente. Colocou seu tênis preto all star. Meias brancas na altura da canela. Bermuda preta. Cinto branco. Camiseta preta. Ajeitou os alargadores. Colocou o MP3 player no bolso e ajustou os fones no ouvido. Na playlist o melhor som que podia existir.
     Olhou no relógio. Faltavam cinco para meia-noite. Lá fora o carnaval estava começando. Não era um folião, muito menos gostava dessa festa. Não aceitava bem a idéia de corpos se tocando em busca do simples prazer carnal. Mas ele não tinha tempo para pensar nisso. Olhou mais uma vez no relógio, haviam combinado de se verem meia-noite. E agora faltavam quatro minutos.
     Durante toda a semana ele havia pensando nela. Tinha a resposta para aquilo que ela iria perguntar. Sim. Ele estava pronto para amar. Então tirou o telefone no bolso e discou o número dela. No visor surgiu o nome "Colombina". Estava chamando. E ela iria atender. Iria dizer que estava pronta e que ele poderia buscá-la onde quer que ela indicasse. E continuou chamando. Chamando. Apertando o coração de Pierrot. Chamando.
     E caiu.
     Um subito arrependimento surgiu na cabeça dele. Uma lágrima caiu triste levando consigo o sorriso dos lábios dele. Acendeu um cigarro e ficou sentando no meio fio. Queria ter alguma cerveja para acalmar seus pensamentos de abandonado.
     Olhou a lua, mas não a encontrou. Seria lua nova ou as nuvens eram muito densas? Olhou no telefone celular as horas. Meia noite e cinco. Suspirou e deitou na calçada. Fechou os olhos e as lágrimas cairam mais rápido. E o telefone tocou. Na tela o nome novamente "Columbina".
     - Desculpa! Vou me atrasar. - A voz suave dela era doce.
     - Quanto tempo?
     - Vinte minutos. Te dou um toque quando estiver pronta. Beijos...
     Antes dele responder beijos o telefone desligou.
     Deu play para o tempo passar mais rápido. E assim ele foi passando. Ouviu umas cinco músicas. Olhou o relógio do celular. Vinte minutos haviam se passado e nada dela. Mas dessa vez ele estava prevenido, não havia juntado o sorriso do chão.
     Vinte e cinco minutos. As pernas tremiam ansiosas.
     Trinta minutos. O telefone recebe uma mensagem. Notícias do mundo, mas não dela.
     Trinta e cinco minutos. Pierrot estava em pé.
     Quarenta minutos. Estava caminhando em direção a casa dela.
     Quarenta e um minutos. Ele ligou. Chamou. Chamou. Chamou. O coração dele se despadaçou. Chamou e caiu. Ele deu meia volta. Desligou o telefone.
     Voltou para o seu quarto. Tirou as roupas sem cor. Jogou o telefone em um canto e se jogou na cama. Antes de dormir pálido e emudecido pensou:
    "Colombina obrigado por me fazer esperar e me trocar por outro alguém que nem sei quem é..."
     E até hoje nosso Pierrot apenas chora... derrubando uma única lágrima por dia.
     Uma lágrima chamada Colombina.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Quem se importa com esse não? O calor...

     O suor escorre pelo meu corpo marcado pelo tempo. Tento pensar em algo que me refresca, mas no momento minha mente consegue se focar apenas na leve dor de cabeça. A tempora direita fica pressionando meu cérebro para dentro. Ou é o calor ou eu não sei...
     Talvez saiba. Por enquanto fico com a sensação de calor misturado com meu inferno sentimental. Não existem cervejas geladas. Não existem as amizades por perto. E quem eu quero está muito longe agora. Não vou revelar se é um "longe geográfico", se é um "longe sentimental". Não vou falar quem eu quero. E até agora já fiz uma quadra de "não". Em breve vem uma quina.
     Quem se importa com jogos de dominó? Quem se importa se eu estou bem ou mal? Quem se importa se o ventilador não está virado para mim? Quem aqui acredita que eu sou o responsável por tudo isso? Eu até fico sorrindo para a página que aos poucos vai deixando de ser branca para ter detalhes em preto. Mas quem se importa com jogo de xadrez?
      E esse fim de semana não foi nada bom.
      Pessoas querendo apenas sexo me irritam. Pessoas que somem me irritam. Pessoas que riem de mim por que meu time perdeu me irritam. Ficar molhado de suor me irrita. Pessoas que estão longe me irritam. Esse fim de semana está irritante.
      E o melhor de tudo, amanhã é segunda-feira e vou poder falar que meu fim de semana foi essa merda por conta do calor.
      E viva o calor!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Castelo de Cartas

     Coloquei a última peça que faltava no meu castelo de baralhos. Lá no topo o rei e dama de mãos dadas para não serem levadas pelo vento. Fiquei ali debruçado olhando a magnitude da minha criação. Cada carta dando sustentação para a próxima e está para a seguinte, e assim por diante. E lá no topo o rei e dama, de mãos dadas.
     Deixei minha arquitetura ali. Para que as pessoas pudessem ver o quão engenhoso pode ser o cérebro humano. Estava feliz, mas foi por um simples momento. Ao abrir a janela e pedir para todos virem observar uma das sete maravilhas do meu mundo deixei que o vento viesse e inflasse o meu quarto de ar. O mesmo vento que ao entrar acariciou os meus cabelos, foi o que destruiu sem qualquer piedade o meu castelo.
     O rei e a dama estavam longes um do outro, talvez embaixo dos escombros. Um aperto no peito. As lágrimas surgiram ainda mais salgadas. Porque as pessoas existem? Porque elas não se contetam em observar os próprios castelos? Porque ninguém vinha se desculpar por ter feito eu abrir a janela do meu quarto e solicitar que eu as chamasse? Meu rei e minha dama estavam jogadas pelo quarto, misturadas com a grande plebe de cartas.
     Fechei a janela e mandei o vento embora. Que ele nunca mais entrasse para me acariciar se logo em seguida fosse destruir meu castelo de cartas. E então eu reuni todas as cartas e comecei a alinhá-las. Uma a uma. Com todo amor que tinha por elas. Repousei o rei e a dama no meu colo deixando que olhassem o seu castelo ser reeguido por um grande engenheiro.
     Algum tempo depois estava pronto. E lá estavam novamente os dois de mãos dadas. Não iria chamar ninguém para ver. Levantei devagar e abri a porta e descobri que o vento dá a volta. E lá se foi meu castelo para o chão. Controlei o choro, eu tinha sete anos. Estava crescendo. E apenas entendi.
     Entendi que na vida muitos ventos irão colocar meu castelo no chão. Que muitos ventos irão afastar o rei e a dama. Mas foi só com o tempo que eu descobri que a culpa não é do vento, a culpa não é de qualquer pessoa. Castelos de cartas são feitos para serem derrubados e reerguidos.
     Só com o tempo eu entendi que a minha vida é o meu próprio castelo...