quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

De lírio amarelo e laranja

     Fechei os olhos e deixei o delírio invadir minha consciência aos poucos. Senti minha cabeça comprimir o meu cérebro ao limite de qualquer razão e depois se expandir rapidamente. Eu estava livre, solto em um universo de imagens recortadas.
     Aos poucos o Universo foi invadindo o meu ser, enquanto eu nadava em um mar de estrelas foscas, amarelas, rosas e azuis. Cadê aquela estrela vermelha que procuro todas as noites pelos céus da cidade?
     O delírio rasga meu peito.
     Olho para as minhas mãos e vejo sangue. O sangue de milhares de sonhos quebrados em manhãs de sol. Minhas mãos tremem, meus olhos queimam. Eu quero o ar puro de uma manhã de névoa. O que eu estou dizendo?
     Não falo a língua dos anjos. Caídos. Todos seguram a minha mão e me puxam. Seus dentes rasgam minha carne. Um cheiro de podre infesta o ar. Sou meu próprio demônio. Sou o meu próprio deus. Meus anjos são as escolhas. Caídas.
     Ah, o delírio! Custura com precisão uma alma qualquer em meu corpo biológico e me joga no centro de uma anã branca. Sinto meu corpo se dissolver em cada átomo solitário. Sinto que bilhares de pequenos eus, tão meus, espalham-se por entre mundos desconhecidos e se conectam a outros átomos, não-meus.
     Sou uma criança que chora. Um pai que vai embora. Uma mãe com câncer. Uma coração talhado em uma árvore por namorados. Sou um morador de rua olhando o céu na madrugada fria, com fome, de comida e de esperança. Esperança por comida. Sinto o seu amor pela liberdade.
     Sou uma estrela do mar regenerada.
     Sou um cavalo marinho com seu filho nas entranhas.
     Estou em delírio, em estado bizarro. Catatônico em frente a uma tela que recebem as palavras sem pensar. Inteligência artificial, delírio artificial. Como será o mundo com máquinas delirantes? Iguais a nós, acreditando que somos humanos.
     Mas não.
     Hoje sou apenas o delírio.
     Como um monge tibetano, sou o delírio.
     Feito de lírio, amarelo e laranja.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Segure o tempo. Volto já!

     Fechei os olhos e tentei tatear o tempo.
     Por alguns segundos, pensei ter conseguido agarrar um ou dois minutos.
     De fato, era apenas mosquitos.
     Fiquei ali, de olhos fechados, tateando o vazio. Tentando segurar o tempo, agarrá-lo sutilmente. Fiquei nessa dança de corpo estático e braços e mãos agitadas por horas. Em uma conta mental: 06 horas.
     Abri os olhos e tudo estava igual.
     Dormi.
     Acordei.
     Lavei o rosto e fechei os olhos novamente.
     Tempo, como segurá-lo?
     Foram dias. Sem conseguir um milésimo.
     Semanas.
     Meses.
     Anos.
     Em vão. Nada de agarrar o tempo. De segurá-lo. De tê-lo em minhas mão.
     Não acreditei que era impossível. O vento me sussurrou, pelos seus séculos de experiência. Mas minha imaturidade me fez surdo.
     Segurar o tempo é impossível.
     Mas não foi perder tempo.
     Quem perdeu tempo foi você, que ficou preso nesse texto.
     Até o fim.

domingo, 22 de setembro de 2013

O amor em frente a Igreja

     Estavam sentados na fonte em frente a Igreja. Faziam uma espécie de piquenique sob um teto cinza que prometia desabar em forma de chuva. Os carros passavam, as pessoas passavam, cachorros passavam. Os dois estáticos mantinham seus olhos estáticos um ao outro, sem pensar no tempo que empurrava todo o resto do mundo.
     Seguravam a mão de um jeito carinhoso, enquanto conversavam qualquer coisa que jogava em seus rostos sorrisos de felicidade. As vezes, não por vontade, talvez por fome, soltavam as mãos para pegar o alimento que repousava ao lado. A cada término de mordida, as mãos voltavam a se segurar.
     Segurança. Carinho. Afeto. Amor.
     Havia tudo ali, naquele quadro urbano, cotidiano e real.
     Eu apenas passei e sorri.
     Senti que o mundo poderia ser melhor e estava sendo naquele momento. Em frente a Igreja, sentados na fonte, se amavam de um jeito normal, nada de sublime, nada que os fizesse diferente. O que me chamou minha atenção foi a cena, de se amarem sem medo do mundo cair sobre suas cabeças.
     Não um mundo de chuva, mais de carros passando e buzinando sem precisarem buzinar. De pessoas passando e olhando como se o amor fosse vulgar, de cachorros que apenas passavam sem estranhar. Esse mundo que entram em Igrejas para crucificar os que ficam lá fora, sentados na fonte.
     Esse mundo que julga o amor de um rapaz de olhos castanhos que ama outro rapaz de olhos castanhos. Que se amam de um jeito normal, sentados numa fonte, no centro da cidade, em frente a Igreja.

sábado, 17 de agosto de 2013

Por aqui

    Por aqui eu escuto as músicas que não ouvia há muito tempo, por falta de tempo. Tenho tentado comprar um relógio para resolver isso, mas todos me dão apenas doze horas. É que não sei olhar as horas passar sem os ponteiros, que me apontam sempre a direção.
     Por aqui eu leio os livros que deixei escondidos na estante, por falta de espaço. Espaço que me sobra, em um sentimento gigante, chamado vazio existencial. É que não sei completá-lo com coisas mundanas, imundas e imperfeitas.
     Por aqui eu penso em todos aqueles que se foram sem passar por mim, por falta de uma terceira dimensão. Algo além de tudo isso, que parece sair da tela e tentar tocar minha testa larga, repleta de traços de uma vida. É que não sei usar óculos bicoloridos, ou vejo azul, ou vejo vermelho.
     Por aqui eu procuro um portal que se abra para um outro mundo, por falta do que fazer, penso na quarta dimensão. Uma dimensão extra que leve daqui essas palavras, esses espaços e essas pontuações. É que não sei mais o que vou escrever e como já utilizei muitos pontos finais, gastei todos os que tinha
     Por aqui eu deixo sem fim