Aos poucos o Universo foi invadindo o meu ser, enquanto eu nadava em um mar de estrelas foscas, amarelas, rosas e azuis. Cadê aquela estrela vermelha que procuro todas as noites pelos céus da cidade?
O delírio rasga meu peito.
Olho para as minhas mãos e vejo sangue. O sangue de milhares de sonhos quebrados em manhãs de sol. Minhas mãos tremem, meus olhos queimam. Eu quero o ar puro de uma manhã de névoa. O que eu estou dizendo?
Não falo a língua dos anjos. Caídos. Todos seguram a minha mão e me puxam. Seus dentes rasgam minha carne. Um cheiro de podre infesta o ar. Sou meu próprio demônio. Sou o meu próprio deus. Meus anjos são as escolhas. Caídas.
Ah, o delírio! Custura com precisão uma alma qualquer em meu corpo biológico e me joga no centro de uma anã branca. Sinto meu corpo se dissolver em cada átomo solitário. Sinto que bilhares de pequenos eus, tão meus, espalham-se por entre mundos desconhecidos e se conectam a outros átomos, não-meus.
Sou uma criança que chora. Um pai que vai embora. Uma mãe com câncer. Uma coração talhado em uma árvore por namorados. Sou um morador de rua olhando o céu na madrugada fria, com fome, de comida e de esperança. Esperança por comida. Sinto o seu amor pela liberdade.
Sou uma estrela do mar regenerada.
Sou um cavalo marinho com seu filho nas entranhas.
Estou em delírio, em estado bizarro. Catatônico em frente a uma tela que recebem as palavras sem pensar. Inteligência artificial, delírio artificial. Como será o mundo com máquinas delirantes? Iguais a nós, acreditando que somos humanos.
Mas não.
Hoje sou apenas o delírio.
Como um monge tibetano, sou o delírio.
Feito de lírio, amarelo e laranja.