quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Esboço para uma história

     Sentado na mais alta colina, com olhos de águias, é fácil ver a destruição e devastação de um mundo em que tudo poderia ser diferente se todos resolvessem apenas sentar em uma mesa redonda e conversar como seres civilizados e sem pretensões de poder e de conquistas territoriais.
     Olhar de cima da colina tudo aquilo é muito fácil. Ver a fumaça subindo trazendo consigo o cheiro de corpos queimados, do sangue derramado e das lágrimas de quem perdeu e de quem venceu, pois é difícil acreditar que alguém pode sorrir numa guerra. A guerra sempre traz a idéia de derrota, mesmo para aqueles que se dizem vitoriosos.
     Então acendo um cigarro com o pouco de erva que ainda sobrou. Algo não muito fácil de encontrar entre as batalhas. Geralmente os veículos pesados passam por cima delas sem prazer algum, sem ódio algum, pois apenas passam. E aqueles que saboreiam o sabor de uma erva fina e a fumaça que dela sai, estes sim sentem o prazer de ver que nem todas foram destruídas, estes sim sentem o ódio em ver que a maioria foi destruída.
     A erva roxa, colocada dentro de cascas das amêndoas, e agora enrolada no que sobrou de um oficio de alguma das partes em guerra, me dá a sensação de que aquela guerra que eu presenciei foi a ultima. A última dessa minha vida inútil. Estou tão cansado de idas e vindas entre os lados em conflito que acredito não ter mais pernas, ou asas, firmes para desenvolver um bom papel de espião.
     Sim, eu fui espião desde o primeiro dia de guerra. O mais excelente dos espiões, já que trabalhava para os dois lados. Sou um mercenário das informações e não tenho vergonha disso. Tenho vergonha de não ter solicitado mais dessas pedras e metais preciosos, que agora só valem para eu comprar um pouco de dignidade, mas nada de confiança. Você confiaria em um espião que admite este fato? Eu não confiaria, e tenho certeza absoluta disso.
     Talvez você queira saber da minha vida. Talvez queira saber da guerra. Talvez não queira saber de nada e não vai me dar ouvidos. Talvez você queira saber de tudo e vai me dar algumas moedas ao final dessa história que eu vou te contar. Não que eu queira, mas seria justo, já que você está consumindo meu valioso tempo, está respirando a fumaça que sai dos meus pulmões e que tem muito dessa erva que nos leva a uma paz de espírito doentia.
     Quem sabe eu não sou um doente? Seria bom olhar por essa perspectiva. A perspectiva de um velho espião alado, de botas furadas, calças de pano cinza rasgadas, com as penas do peito já esbranquiçadas. O que eu sei é que essas histórias de guerras entre mundos, entre reinos, entre pessoas já estão cansadas de serem ditas. E que qualquer um pode escrever sobre elas. Mas ninguém pode contar as mentiras sujas, que não são nada românticas, tão bem quanto eu.
     Eu já te disse que participei dos dois lados? Se é que posso dizer que eram apenas dois lados em conflito. Pois esse mundo todo que se perde por trás do horizonte entrou em guerra, para ver quem iria dominá-lo da melhor, ou pior, maneira. Todos eles tinham arqueiros, todos eles tinham a melhor linha de frente que poderiam formar, e todos eles tinham a mim, como seu mais justo e confiável espião. Não me odeio por isso, pois fui realmente justo e fui realmente confiável nas informações que eu passei.
     Mas bem, acho que estou me enrolando para começar essa história. Eu gosto muito de falar sobre mim e sobre minhas habilidades, mas acho que vai ser melhor eu falar como se eu fosse outra pessoa contando a história. O que você me diz? Algo assim, mais impessoal, mais distanciado. Se bem que qualquer história contada nunca será impessoal, e é bem capaz de você perceber que nessa história eu deveria ser o grande vencedor da batalha. Sim, existiu um vencedor. E isso irá ficar para o final. Ninguém gosta de saber o resultado de um jogo antes dele terminar, certo?
     Então posso dizer que tudo começou quando deveria ter começado. Em um dia da estação onde as folhas caem das árvores e fecundam o chão, dando origem a novas árvores. Eu adoro esta estação. As cores avermelhadas são uma delicia de serem vistas. Lembro uma vez de uma garota que conheci em baixo de uma árvore bastante frondosa. Esta árvore resolveu entrar na estação antes das demais e veja só, fecundou essa garota e ela criou raízes profundas.
     Isso é verdade. Às vezes eu passo por ela e vou podar alguns galhos para que ela não adoeça. Eu poderia ter casado com aquela garota. A sim, eu poderia. Quer um cigarro? Não fuma? Menos mal. Assim é capaz dele durar por toda a história.
     Certo, a história. Eu fujo muito do foco, tenho essa desatenção, sabe? Tem uns amigos meus que dizem “Aladino, você deixa seu pensamento bater asas mais rápido que você mesmo pode bater”.
     Não estranhe a minha risada. Parece um soluço, não concorda? Tenho raízes para você mascar. Pegue um naco desta. Você vai sentir seus ouvidos se abrirem. Já está sentindo o resultado? Eu sabia. Estou sempre certo em relação a ervas, raízes e folhas que fecundam. Aprendi com uma feiticeira. Pobre, morreu por ter escolhido o lado errado da guerra. Ou por ter sido criada do lado errado, o que seria mais correto eu te dizer. Mas quando for hora de contar sobre isso, ela vai voltar a viver, pelo menos nas minhas palavras.
     Vamos à história. Tudo aconteceu quando tinha que acontecer. Na estação das folhas que fecundam o solo. Eram dois reinos que sempre estiveram em guerra, mas que um dia resolveram acabar com ela e decidir quem seria o grande vencedor. Mas, devido aos anos de guerra, ambos os lados estavam sem soldados e encontraram nas profecias dos velhos reis uma forma de decidir isso. Foi assim que descobriram os buracos de minhoca e nossa história começa a ser contada.

***

Nota: Essa história nunca foi terminada, mas achei interessante postar aqui ao invés de jogar na lixeira.

2 comentários:

  1. achei legal, acho que tambem penso mais rapido do que ajo muito boa a historia

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  2. Digna história de Sr.David... Como sempre, achei excelente seu texto e é claro com o seu velho toque de humor, principalmente quando diz sobre a gargalhada que maisé um soluço e isto me lembro de alguem muito especial... hahahaha

    Abraço!!

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