domingo, 10 de janeiro de 2010

Minha vida se repete

     E então ele acordou tarde.
     Olhou para o teto branco. O ventilador ligado fazia circular o ar quente dentro do quarto. O lençol estava amarrotado. Não quis se levantar. Não quis colocar a roupa e sair para fazer algo de sensato.
     Pegou o celular. Olhou as mensagens e as ligações não atendidas. Não havia nada dela. Dificilmente havia algo dela naquele pequeno espaço que ele chamava de vida. Jogou o celular no chão e pensou estar flutuando em sua própria depressão.
     Depressão? Não, apenas uma profunda tristeza. Não queria ter ou estar ou carregar consigo os transtornos psicológicos da moda. Não era bipolar, não era depressivo, não obssessivo-compulsivo. Era apenas o garoto que havia se apaixonado por uma garota que nem sequer sabia que ele existia.
      Era tão clichê aquilo que causava ânsias. E então vomitou.
      Ficar bebendo até as cinco da manhã para esquecer alguém que sequer lembrava dele não havia sido uma boa alternativa. Estava tentando convencer a quem? Estava tentando fugir de quem?
      A garota. Numa pintura de Van Gogh, na musicalidade de Bob Dylan.
      E ele ali deitado, flertando com seu corpo embriagado de vinho tinto. Tateou o criado-mudo. O maço de cigarro estava vazio. Deveria levantar e comprar outro? Achou uma péssima idéia, mas se levantou. Juntou o celular do chão.
      Ainda de cueca, foi a cozinha e preparou um café preto. Forte. Com açúcar. Glicose sempre ajudava. Foi até a porta da frente e pegou o jornal do dia. Sentou-se na pequena mesa. Abriu o jornal e tomou um gole de café.
      'Que droga', pensou, 'sempre as mesmas notícias'.
      Deixou tudo ali.
      Olhou o celular mais uma vez. Ficou olhando e pensando.
      Talvez se ele se esforçasse para existir no mundo dela, ela simplesmente saberia que ele existia. Mas agora?
       Agora ficaria apenas com a saudade da imagem dela. Da sonoridade.
       Ficaria mais um dia de braços dados com sua falta de coragem...
       'Quem sabe amanhã?'
       E a xícara se deixou cair. O líquido preto refletiu a imagem dele se misturando com as letras do jornal.
       'Que droga, sempre a mesma imagem, na mesma vida, com as mesmas notícias'.
       Nessa vida que não cansa em se repetir.

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