sábado, 7 de novembro de 2009

A primeira overdose

Peguei o pensamento que tinha dela. Transformei em pó. O mais fino pó. Ao pó voltaremos já dizia o padre da paróquia. Então peguei tudo que lembrava ela e fiz pó também. Estava cansado, não sei se você me entende?
Fiz dez fileiras. Dez tiros. Sem pêlos no nariz era o grito de guerra da minh'alma. Mas estava com medo. Abri um garrafa de uísque. Doze anos. Guardado para ocasiões especiais. Tomei até metade da garrafa, assim sem gelo. E me atirei no pó.
Cheirei tudo aquilo sem medo. Só senti minha cabeça sendo sugada para dentro dela mesmo. Meu coração acelerou rápido e depois foi só escuridão. E quando acordei estava aqui no céu. Anjos em volta de mim, cuidando do meu corpo nu. Quem me despiu? Estava vestido de calça jeans, camiseta rosa e descalço. Cheguei aqui desse jeito? Pode me responder? Não gosto de homens com cara de muro.
Desculpe-me. É a euforia de estar amarrado em uma cama como se eu fosse um louco. Minha irmã me contou tudo o que aconteceu. Pode ser mentira dela, mas ela não mentiria para mim. Talvez ela mentiu para vocês. Mas eu juro que não foi cocaína. Foi o pó que fiz das memórias dela.
Foi minha primeira overdose. Minha boca está seca e com gosto de meia suja. Quero um cigarro. Esse hospital é um saco. É um inferno, não sei porque insisto em chamá-lo de céu. Certo. Salvaram a minha vida. O amor mesmo é uma droga. Forte. Suja. Pesada. Mas cheirei tudo dela e agora vocês limparam minhas veias. Quem é ela? Não lembro nem mais o nome.
Sabe, doutor?! Quero amar de novo e sei que vou morrer por isso. Terei muitas overdoses dele. É um vício que eu tenho. O amor é mesmo uma droga.

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